Tratamento de estrabismo: por que operar pode não ser a solução?

02/01/2019 0 Por Maria Amélia M. Franco
Tratamento de estrabismo: por que operar pode não ser a solução?

Você tem dúvidas sobre o tratamento de estrabismo do seu filho? Você já leu um pouco de tudo, comparou seu caso com o de outros pais e tudo continua confuso? Pois é! Estrabismo é assunto delicado, complicado e ainda em estudo.

Não espere um consenso, que uma segunda opinião do oftalmologista coincida com a do primeiro consultado. Existem estudos para sustentar diferentes linhas de atuação!

Li há algum tempo algo que me despertou a atenção em um artigo do já falecido oftalmologista espanhol Dr. Fernando Gómez de Liaño Cobaleda, fundador da Sociedade Espanhola de Estrabologia. Dizia que os americanos em geral optam pela cirurgia precoce, enquanto os europeus preferem avaliar o procedimento invasivo depois de um tratamento mais conservador, com óculos e oclusão (tendem apenas a operar aos 3 anos os estrabismos congênitos, aos 4 ou 5 os adquiridos, e ainda mais tarde os estrabismos divergentes). Mas são unânimes sobre a importância do controle precoce e dos cuidados com a ambliopia.

Bem, penso que há muito mais envolvido do que mera divisão entre uma linha ou outra de atuação. Afinal, são diversos os tipos e as causas, assim como as alternativas de tratamento de estrabismo.

Contudo, há um questionamento importante a fazer diante de qualquer tratamento: vai melhorar o desvio e o fator estético, mas também a função visual?

Para muitos pais isso pode ser encarado como um pormenor. Seja pelas dificuldades em usar o tampão ocular, pela estética do desvio, ou por seu filho parecer enxergar bem. Não sei dizer se é um pormenor… Já li relatos que me fazem trazer essa reflexão à tona, como este da autora do livro One-Eyed Princess: ver em https://youtu.be/-95TgmVH48c

A questão nem sempre explicada ao paciente é: a criança terá sua visão binocular plenamente desenvolvida?

Esse é o principal objetivo da oftalmopediatra da minha filha Cecília, que (digamos) segue mais a linha europeia, com a qual eu mais me identifiquei. Por quê? Porque aprendi que, em sua grande parte, o estrabismo é operado no cérebro e não nos olhos. E a conduta da Dra. Cláudia Cabral Dettmer faz todo o sentido para mim.

Especialista em distúrbios de aprendizagem associados à visão, baixa visão e estrabismo, o foco dela é a integridade da visão binocular.

Isso não quer dizer que seja contra as cirurgias de estrabismo ou não opere. Claro que ela avalia também o impacto social gerado pelo estrabismo. E como você viu no vídeo acima, isso vai além do entortar dos olhos.

Por isso, a convidei para dar uma entrevista exclusiva sobre estrabismo aqui no blog. Enfim, que exames devem ser feitos? Existe regra para o tratamento com tampão ocular e alternativas a ele? O que é possível fazer além da cirurgia?

Confira a seguir sua opinião sobre as principais dúvidas que os pais têm ao buscar o tratamento de estrabismo:

  • Quais exames precisam ser feitos nos casos de estrabismo?
  • Por que a criança com estrabismo precisa usar tampão ocular?
  • Existe um tempo certo de uso do tampão?
  • Que outras alternativas ao tampão existem? Por que não são amplamente indicadas?
  • Quando é preciso operar? Quais os riscos da cirurgia?
AVALIAÇÃO DO ESTRABISMO

Quais exames são feitos para detecção e acompanhamento do tratamento de estrabismo?

No meu consultório já é parte de toda avaliação oftalmopediátrica o reflexo pupilar, os exames de motilidade ocular e do teste de cobertura (cover-test). Eles permitem avaliar a fixação do olhar em um alvo, o alinhamento dos olhos e se os movimentos oculares são bem coordenados e sincronizados.

São testes básicos na detecção de estrabismos, pois os desvios nem sempre são evidentes e a criança pode não apresentar sintomas em um primeiro momento. A partir disso, também avalio a função (ou disfunção) de toda a musculatura ocular. Quando há estrabismo, para medir a intensidade do desvio é ainda feito um teste com prismas.

Os exames que avaliam se a criança enxerga bem para perto e longe são igualmente importantes, pois indicam a necessidade de usar óculos ou revelam a presença de ambliopia. Mas isso não é suficiente para qualificar a visão do paciente.

Por isso, outro teste que é praxe é o de acuidade estereoscópica, chamado Titmus Test. Eu aplico em crianças pequeninas, a partir do momento em que já entendem o comando do adulto. Usando óculos especiais, elas têm que pinçar no ar os elementos que parecem saltar da tela.

O Titmus permite avaliar bem a visão binocular e a acuidade estereoscópica da criança de acordo com o previsto para a idade. Ou seja, se a criança usa os dois olhos ao mesmo tempo, sem suprimir a imagem de um ou de outro, e consegue fazer a fusão das imagens recebidas em cada olho, proporcionando o que chamamos de visão 3D ou em profundidade. Eu o uso também como um indicador se o tratamento de estrabismo está trazendo bons resultados.

Eventualmente, também uso o teste de Worth, que é uma alternativa adicional para avaliar a visão binocular –usa-se óculos com uma lente verde e outra vermelha, apresentando pontos de luz à frente do paciente nas mesmas cores. Ele deve dizer se vê ambas as cores, ou apenas uma. Se enxergar apenas uma, está suprimindo a visão de um olho.

É comum que na presença de desalinhamento, o olho que entorta ter uma acuidade visual diminuída. Especialmente em uma esotropia (quando o olho desvia em direção ao nariz). Isso prejudica a fusão e a estereopsia.

Nem todos os profissionais realizam esses exames em consultório, mas encaminham a avaliação para um ortoptista ou outro colega estrabólogo.

Além dos exames clínicos

Contudo há casos que requerem mais exames. Por exemplo, quando há um desvio persistente a partir do nascimento os pais não devem esperar. Devem consultar rápido um oftalmologista. O estrabismo pode ser consequência de doenças como catarata congênita, glaucoma, tumor ocular, que devem ser observadas o quanto antes.

Outro caso é quando acontece um desvio agudo de uma hora para a outra e a criança que estava bem começa a ver duplo – dois pais, duas mães. Daí é necessário realizar uma ressonância magnética de crânio com magnificação da fossa posterior (lá onde está o tronco encefálico, de onde emergem todos os nervos cranianos, incluindo os que atuam no movimento dos olhos).

Interessante comentar sobre isso! Ontem mesmo vi uma paciente minha cujos exames de imagem há alguns anos revelaram um sarcoma (câncer) na órbita ocular. Na época ela foi encaminhada imediatamente para tratamento e hoje está bem, funcionalmente 100%. É preciso se antenar, não é natural descompensar o olhar!

TAMPÃO OCULAR E OUTROS TRATAMENTOS

Quando a oclusão com tampão ocular é indicada? Como é definido o tempo de uso do tampão ocular? Existe uma regrinha?

Não existe uma receita de bolo quanto ao uso do tampão ocular e ao tratamento de estrabismo. Cada indivíduo é único e cada situação tem que ser analisada.

É comum desenvolver ambliopia em esotropias (quando há um desvio em direção ao nariz), que acomete o olho desviado, ou que entorta mais. Então, para melhorar a visão desse olho, é importante fazer a oclusão do outro.

Já sobre o tempo de uso, varia de acordo com a severidade da ambliopia. Era comum adotar uma regrinha de tempo de acordo com a idade da criança. Nos casos mais graves, se ela tivesse 5 anos, adotava-se 5 dias de tampão no olho bom e 1 dia sem nada.

Atualmente existem estudos mostrando que apenas horas de tampão têm o mesmo efeito que um dia todo usando o oclusor. E alerta-se para a importância de manter o uso de ambos os olhos (binocularidade) e para o risco de o regime de oclusão total prejudicar a visão do olho bom.

Assim, hoje em dia o regime de oclusão varia de 6h a 1h diária, dependendo da profundidade da ambliopia e se o tratamento é acompanhado de terapia visual ou não.

Usando certinho tem resultado! Às vezes a rotina das crianças pequenas, com as horas de soninho, acaba atrapalhando a adesão. Nesses casos, melhor usar em duas etapas, antes e depois do sono, contando o tempo total.

Nas exotropias (quando há desvio em direção às têmporas), o tampão também é recomendado para evitar a supressão na hemiretina temporal (“falhas” no campo visual periférico).

Ainda, vale lembrar que o desmame do tampão ocular também requer cuidado. Retira-se de maneira lenta e gradual. Tirar de supetão vai piorar! E é legal avisar os pais que existe um risco pequeno de recorrência da ambliopia e da necessidade de reforço do tratamento.

Embora o uso de tampão seja muitas vezes associado ao estrabismo, o objetivo não é corrigir o desvio, mas melhorar a fixação visual, a acuidade… No entanto, melhorando a função visual, melhora o controle do estrabismo!

exame oftalmológico para avaliação visual em crianças
exames oftalmológicos para avaliação e tratamento de estrabismo
exame oftalmológico para avaliar a visão binocular

Muitas vezes ao tampar um olho, o outro entorta. Isso é normal ou os pais precisam se preocupar?

Em muitos casos, apenas um olho desvia. É o olho que está ruim. Para estimular esse olho, tampa-se o outro.

Ao passo que a visão melhora e tende a igualar-se com a do melhor olho, a criança passa a alternar a fixação do olhar. Isso é bom sinal! É um estágio em que se evidencia a melhora do tratamento.

Lembra que o objetivo inicial é melhorar a visão? Depois o foco é o desvio do estrabismo e a avaliação se é o momento de operar.

Por que o tampão ocular adesivo é o mais recomendado pelos oftalmologistas? Existem alternativas ao uso do tampão?

O tampão adesivo é ainda a principal escolha no tratamento da ambliopia pela facilidade de aquisição, aplicação, ajuste e manutenção no rosto. Traz mais segurança de que não haverá frestas para olhar (especialmente em ambliopias severas).

Porém, há alternativas e contarei para você minhas experiências com elas. Mesmo adotando as melhores práticas para pôr e tirar o tampão, se a criança tem uma pele muito sensível e desenvolve alergia ao adesivo, oriento os pais a usarem o modelo em tecido ou silicone. Mas são fixados nos óculos e é preciso que a armação esteja sempre bem posicionada e cuidar para que o tampão cubra bem ao redor dos olhos, sem deixar aberturas.

Os pais conhecem seus filhos e devem ponderar sobre a supervisão do uso e quanto à tendência de a criança tirar os óculos com frequência.

Alguns médicos optam pelas gotas de sulfato de atropina (como um colírio para embaçar o olho sadio). Já testei e alguns pacientes permaneceram com a visão borrada por mais tempo do que o previsto, chegando a uma semana sob o efeito do medicamento.

Eu não simpatizo com a atropina porque a sua absorção depende de cada organismo, a extensão do efeito perdura por mais de 24h, e prejudica a atividade binocular e a função acomodativa (olhar longe e logo ajustar o foco para perto). Tive casos em que o paciente inclusive piorou do olho bom.

Também vejo com cautela medidas como as chamadas lentes de contato penalizadoras. A ideia seria não corrigir o grau total ou prescrever “um grau” que torne a visão do melhor olho borrada.

Ainda não avaliei em meus pacientes, mas uma técnica que vem sendo estudada são os filtros de Bangerter. Um filtro translúcido sobre as lentes dos óculos da criança, aplicado com técnicas específicas para determinar a intensidade de desfocagem.

É preciso olhar para as particularidades de cada criança e de sua família. Mais: ter em conta que um regime de oclusão deve ter o tempo mínimo necessário para não prejudicar a visão binocular, aumentar as chances de adesão do paciente e proporcionar os resultados esperados.

Para isso, eu indico associar terapias visuais que favoreçam e acelerem a melhora da acuidade visual, da fusão e da visão estereoscópica dos meus pacientes.

Incrível infográfico

Descomplicamos e ainda explicamos de forma simples sobre os tipos de estrabismo, com um resumo das principais causas, queixas e consequências.

QUERO VER

Durante o tempo de tampão, é recomendada alguma atividade para a criança, ou é livre?

Sempre digo que é preciso individualizar. Mas, em geral, eu oriento meus pacientes a dedicarem ao menos 1h do período com tampão a atividades multissensoriais que integrem olho- cérebro. Que envolvam tanto manuseio de objetos próximos, como a coordenação visomotora a média distância.

A criança pode brincar com seus brinquedos – construir com blocos, quebra-cabeças, manusear bonecos, empurrar carrinhos, jogar bola, pintar… e fazer a lição de casa. Inclusive jogar games é melhor que estar apático diante da TV.

Eu percebo que isso traz um avanço mais rápido da melhora, o resultado é mais intenso e duradouro.

ESTIMULAÇÃO e TERAPIA VISUAL

Quando é recomendável estimulação ou terapia visual para a ambliopia e o tratamento de disfunções da visão binocular?

Se fazendo apenas tampão a criança não responde bem ao tratamento, ou está aquém do esperado, eu indico a estimulação ou terapia visual.

Para meus pacientes tem trazido resultados bem satisfatórios, embora eu já tenha observado muitos colegas que não acreditam.

Eu busquei conhecer esses trabalhos terapêuticos porque a neurociência está aí mostrando que com a plasticidade cerebral é possível ensinar o cérebro a ver. Quando fica claro que os comandos e o processamento visuais acontecem no cérebro e não nos olhos isso tudo faz sentido!

Às vezes, quando avalio que a família está seguindo a indicação do tampão, a terapia e ainda não estou satisfeita com os resultados, lanço mão da prescrição de Ômega 3, que atua em todas as vias visuais. Esse nutriente, no momento indicado, traz um “boom” impulsionando o tratamento. A nutrição da criança também é bem importante para a visão.

CIRURGIA DE ESTRABISMO

Em que casos a cirurgia é indicada?

O momento certo da cirurgia é tão questionável… não há um consenso, mas nem por isso acho que um profissional está certo e outro, errado.

Eu não generalizo as condutas dos meus pacientes, avalio sempre caso a caso. Porém, já comentei que prefiro tratar antes a função visual, depois a estética.

Por quê? Porque em bastantes casos meus melhorando a função, houve a melhora do alinhamento dos olhos. Sem a necessidade de a criança passar por uma anestesia geral e correr os riscos de uma cirurgia.

Ao final de todo o tratamento, restou um desvio, é importante operar? Daí eu opero. O resultado pós-cirúrgico é mais estável e duradouro, com menor chance de recidiva e de haver uma hipo ou hipercorreção do desvio. Isso porque a operação acontece depois de melhorar a visão binocular e de exercitar a musculatura dos olhos.

Enfim, esse é meu jeito de trabalhar!

Quais os riscos e consequências comuns às cirurgias de correção do estrabismo?

Os riscos inerentes a qualquer cirurgia. Especialmente a cirurgia com anestesia geral, que é a ideal nos casos de estrabismo para haver um relaxamento total de toda a musculatura ocular.

Hoje em dia as cirurgias são mais seguras, porém sempre há riscos e por isso penso que não deve ser a primeira opção se houver alternativas.
Outro aspecto que justifica a minha conduta é que há estudos sobre perda neuronal e impactos cognitivos em crianças que passaram por anestesia geral. A recomendação é sempre que possível evitá-la antes dos 5 anos.

Além disso, há a possibilidade de haver uma hipercorreção ou uma hipocorreção ao cortar a musculatura e ajustar o desvio do olho. Mesmo fazendo uma medição precisa do desvio antes da operação, a resposta de cada um é diferente. Daí o caminho é tentar trabalhar essa musculatura com terapia visual ou fazer a reoperaração para corrigir o problema.

Será o desvio o fator mais importante?

Após essa entrevista com a Dra. Cláudia fica vidente que o assunto tratamento de estrabismo traz muitas dúvidas e a certeza de que cada caso é um caso. Não é mesmo?

Afinal, há vários tipos de estrabismo e, portanto, inúmeras possíveis causas para sua ocorrência. Alterações das funções visuais ou danos cerebrais, nos músculos oculares ou nos nervos que comandam esses músculos podem afetar o controle oculomotor.

Em termos gerais, a oftalmopediatra explica que primeiro é importante avaliar a correção de graus de astigmatismo, hipermetropia e miopia que porventura estejam prejudicando o desenvolvimento visual da criança, resultando no desvio dos olhos.

Segundo, atuar quando houver ambliopia e para melhorar a fixação, o seguimento dos olhos e a função binocular. Afinal, a maravilha da visão humana é a estereopsia e a capacidade de perceber o mundo em 3D.

Por fim, corrigir o desvio, um cuidado estético também importante.

Para você, isso faz sentido? Conte-nos nos comentários ao final da página a sua experiência!

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