Hoje proponho um desafio: experimentar ver como uma pessoa com baixa visão possivelmente vê. Talvez só assim você possa entender do que ela precisa para ter melhor autonomia e independência.
Mas já vou avisando que isso é muuuuito relativo!
Talvez essa seja a questão mais importante que pais e professores devem compreender.
O que é capaz de ver e fazer uma criança com baixa visão é algo muito variável e pessoal. A visão subnormal é uma condição intermediária entre a visão normal e a cegueira e mesmo a correção com lentes ou óculos não é suficiente para que ela enxergue bem. Ou seja, que ela perceba o tamanho, a forma, as cores e o contorno de objetos próximos ou distantes.
Por isso é tão importante falar disso e entender suas limitações e suas superações.
Baixa visão: nem cego, nem vidente
Dizer que uma criança tem baixa visão é vago. Existem infinitas possibilidades visuais entre a escuridão e a nitidez, não é mesmo?
É complexo, pois a dificuldade para ver depende do nível de comprometimento das funções visuais e de como a criança usa da melhor forma o seu resíduo visual (o que lhe resta de visão).
Pense que essa dificuldade pode estar relacionada à
- redução da acuidade, perdendo a nitidez do que é observado;
- maior sensibilidade ao contraste, deixando de reconhecer faces e o contorno das letras, de perceber os degraus de escadas, ou até mesmo quando um copo já está cheio de água;
- ao desconforto visual ou menor resolução da imagem conforme a luz incide;
- redução do campo visual (restando visão central, setorial ou periférica)
- presença de escotomas, que são como manchas escuras dispersas que obstruem a imagem; e/ou a
- alterações na percepção de cores.
Então, como saber do que ela precisa para facilitar o reconhecimento das coisas, a realização das atividades de vida diária e a sua mobilidade?
Só há uma forma: avaliando o funcionamento da visão ou, como costuma-se dizer, a função visual. Geralmente isso se atribui a uma equipe multidisciplinar formada por oftalmologista, optometrista, terapeuta e/ou professor especializado e capacitado em deficiência visual.
Há importantes instituições voltadas ao atendimento de pessoas com deficiência visual que são um alicerce e um estímulo para a inclusão.
Como a criança com baixa visão enxerga?
Que tal fazer um pequeno experimento para entender na prática como é? Veja o que tentei fazer por aqui, pensando que seria algo fácil para você fazer aí também.
Para cobrir a lentes dos meus óculos eu usei papel de seda e canetinha própria para vidros da Crayola, pois é lavável.
Eu senti um baita desconforto! Foi notável eu fazendo movimentos com a cabeça para buscar o ângulo que me permitisse ver melhor por trás das “manchas”. E a experiência com o papel de seda sobre as lentes foi de certa forma angustiante. Perdi a qualidade do que vi, tudo ficou sem contraste e ofuscado.
Claro que com os óculos eu não tive total bloqueio do meu campo de visão periférico, mas ainda assim valeu!
Para você ter uma ideia, de acordo com o perfil de resposta visual, a criança com baixa visão pode ver sem nitidez, uma imagem estreita e/ou com manchas que criam pontos cegos. Foi isso que vivenciei com os óculos acima.
Agora observe no quadro a seguir como esta imagem seria vista por crianças com diferentes diagnósticos indicativos de baixa visão.
Fonte – Sampaio, MW; Haddad [et al.] Baixa visão e cegueira: os caminhos para a reabilitação, a educação e a inclusão. Rio de Janeiro: Cultura Médica, Guanabara Koogan, 2010
Por isso, a maioria das crianças com baixa visão precisa lançar mão da tecnologia assistiva em seu dia a dia dentro e fora da escola.
O que é isso? É todo tipo de dispositivo, auxílio, adaptação… que elimine as barreiras para a locomoção, as tarefas rotineiras e a aprendizagem das pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida.
Tem uma frase que para quem já estudou sobre inclusão é até bem batidinha… mas acho que ela diz muito e sempre faz refletir:
Para as pessoas sem deficiência, a tecnologia torna as coisas mais fáceis.
Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis.
Mary Pat Radabaugh
Antiga diretora do Centro Nacional de Apoio para Pessoas com Deficiência da IBM, nos EUA.
As adaptações mudam essa realidade
O mundo dos sonhos seria que toda criança com visão subnormal tivesse acesso a auxílios ópticos, não-ópticos e/ou eletrônicos, que tornassem as adaptações de tamanho, contraste, brilho e iluminação viáveis. Veja no quadro abaixo como isso faz toda a diferença!
Mas essas adaptações ainda são um desafio. Os recursos ópticos e eletrônicos – como lentes especiais, lupas, sistemas telescópicos e de videoampliação – requerem conhecimento técnico para avaliação e uma correta indicação (um trabalho para aquela equipe multidisciplinar que comentei antes). Tem ainda o custo de aquisição e o treinamento, por isso é tão importante contar com uma instituição ou um profissional especializado em baixa visão para este fim – o que não é a realidade do nosso Brasilzão, eu sei.
Por outro lado, adaptações de ambiente e os auxílios não ópticos são mais simples e acessíveis. Uma cortina ou anteparo na janela já ajudam a controlar a entrada de luz que ofusca uma leitura em casa ou no quadro negro da escola (vale dizer aqui que aqueles quadros brancos não são uma boa ideia, pois o brilho deles prejudica ainda mais a visibilidade). Bem como aumentar ilustrações, as fontes e os espaçamentos dos textos, ofertar leitura em papel fosco ou até mesmo usar acetato amarelo sobre a página para melhorar o contraste.
E assim vai. Todo cuidado e carinho para ajustar o tamanho dos materiais, melhorar o contraste e o conforto visual para brincar, ler e escrever contam! É como um trabalho sob medida.
Bem, detalhar como devem ser todas essas adaptações fica para uma próxima postagem. É muita coisa!
Se ainda quer entender mais como seria ver com catarata, glaucoma e retinopatia, de acordo com a severidade? Indico este simulador que é um projeto da FRED HOLLOWS FOUNDATION, uma organização internacional dedicada à prevenção da cegueira. Simule em simulator.seenow.org/webgl.html
E para aprofundar bem no assunto, sugiro uma das publicações mais completas sobre baixa visão:
Baixa visão e cegueira: os caminhos para a reabilitação, a educação e a inclusão.
Autores: Marcos Wilson Sampaio, Maria Aparecida Onuki Haddad, Helder Alves da Costa Filho, Mara Olimpia de Campos Siaulys
Editora: Cultura Médica, Guanabara Koogan, 2010
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Sobre o Autor
Acredito que a informação transforma vidas, e assim nasceu este blog: um projeto pessoal, que tornou-me uma pesquisadora incansável sobre visão e aprendizagem. Hoje sou neurorreabilitadora visual e visuopostural. Tenho ambliopia e isto me motiva ainda mais! Estudando o universo da neurovisão, quero ajudar pais, terapeutas e professores com medidas importantes nos cuidados com a saúde ocular, o desenvolvimento visual e a baixa visão na infância. Saiba mais sobre a autora.
13 comentários
Os comentários estão fechados.
Olá Maria Amélia! Muito bacana seu texto.
Muito grata. Tenho um filho com Atrofia Optica hereditária, sem visão no olho esquerdo e baixa visão no olho direito. Estou em busca de profissionais que realmente possam me auxiliar e textos que possam me esclarecer mais na busca por uma vida mais confortável para ele e na busca pela cura.
Obrigada, Michelle! É um trabalho que ainda estamos iniciando, sempre há tantas coisas para pesquisar e trazer aqui de forma clara para quem precisa…
O importante é você saber que há caminhos para estimular e desenvolver a visão, a percepção integrada do que a criança capta através de seus sentidos e fazer o melhor uso do grau de visão mantido.
Como você comentou que busca profissionais na sua cidade que a orientem neste momento, aproveito para comentar sobre um curso que estou divulgando especialmente para pais que não têm acesso a esses serviços onde vivem e queiram se profissionalizar como estimuladores visuais – tem mais informações aqui: https://www.visaonainfancia.com/curso-estimulacao-visual-pmev/
Boa noite! Tenho um filho que teve deslocamento da retina nós dois olhinhos! Se tiver alguma mãezinha que esteja passando ou passado por esse problema e puder conversar pra trocar experiências 🙏🏻🙏🏻
O meu filho também deve
Excelente material de ensino. Gostei muito e estarei observando os alunos.
Parabéns texto bem explicativo!!!
Essas orientações serão de grande valia para o meu trabalho!!!
Obrigada
EXcelente!!!
Excelente! Obrigada! Didático, prático! Parabéns!
Gostei muito dos experimentos, não fazia a menor ideia de como podia funcionar a baixa visão. Esse ano terei um aluno com baixa visão e por isso estou estudando mais sobre o assunto. Agradecida.
Material muito esclarecedor…
Amei, muito obrigado pelo aprendizado
Agradeço imensamente pelas informações, está auxiliando muito no meu trabalho como interprete Ledor, de dois alunos, baixa visão e cegueira total. Muito obrigado!
Trabalho com um aluno no 7° ano com baixa visão que ainda na sabe ler. As informações aqui são muito relevantes.