Boas práticas para incluir a criança com baixa visão em casa

07/08/2018 Off Por Maria Amélia M. Franco
Boas práticas para incluir a criança com baixa visão em casa

A inclusão da criança com baixa visão começa em casa. Já pensou nisso? A nossa cultura já é de mães mais protetoras, ansiosas e que querem fazer tudo pelos seus filhos. Mas deixar tudo à mão e quase fazer por eles os ajuda mesmo?

Proporcionar condições da criança aprender e realizar as coisas por si é muito importante para ela se desenvolver melhor.

Então, separamos algumas dicas práticas para você tornar sua casa acolhedora, segura e funcional para a criança com baixa visão transitar e realizar as atividades de vida diária com autonomia e independência.

O início de tudo está em tornar a sua casa estimulante!

Darick Wright, coordenador da New England Eye Clinic da Perkins, fala sobre a adaptação do ambiente para ajudar a maximizar o uso da visão, como melhorar o contraste e a iluminação e reduzir a confusão visual e o brilho. “Os óculos nem sempre restauram a visão. Lentes de aumento não são tudo”, diz o especialista em baixa visão.

Adaptações para ver e se desenvolver

É natural a criança querer imitar os movimentos observados e explorar aquilo que vê em seu entorno. É o que propicia espontaneamente o desenvolvimento e a aprendizagem.

No entanto, sem ver e com poucos estímulos sensoriais, a criança com baixa visão não se sente encorajada e estimulada. Isso interfere na motivação para as atividades motoras e, por consequência, no desenvolvimento psicomotor, cognitivo e sócio afetivo.

QUARTO E ESPAÇOS DE BRINCAR

Despertando a visão e as habilidades motoras – coloque elementos em alto contraste – preto e branco, colorido – ao redor do berço, no trocador e no espaço de brincar. Sempre dentro do campo de visão e acessível. Quando perceber que ela já os consegue ver, conduza a criança algumas vezes para pegar e analisar esses estímulos. 

Eu adorei algumas dicas práticas e econômicas da página O Diário de Lulu, que adaptou o modelo montessoriano! Os pais da Luísa criaram um espaço super estimulador para ela, que nasceu com catarata congênita e posteriormente desenvolveu glaucoma.

modificações em casa para a criança com baixa visão

A cama baixa, os tapetes de borracha, os brinquedos, os quadros, as almofadas, o espelho e suporte na parede para ela se apoiar foram ideias incríveis. Tudo atraía seu interesse e a incentivava a explorar o ambiente, ganhando confiança para engatinhar, apoiar-se em duas pernas e então andar. Porém, há uma sobrecarga de estímulos. Minha sugestão é ter detalhes estimulantes em áreas diferentes para serem explorados pela criança e de tempos em tempos alternar os estímulos, de acordo com a evolução do seu desenvolvimento visual e motor.  A criança precisa de descanso visual também! 

“Ajustamos tudo de acordo com a necessidade dela e principalmente a questão da estimulação visual, sem deixar de estimular a percepção sensorial. Quartos de criança geralmente são feitos para adultos, tudo alto e longe do alcance. Então, procuramos criar um ambiente estimulante e acessível. Percebemos que com a mudança do quarto ela desenvolveu mais a coordenação e perdeu alguns medos que tinha, como descer de lugares mesmo que baixos. O espelho e a barra na parede a encorajaram a sentar e levantar se apoiando”, conta a mãe.

Eles usaram e adaptaram muitas coisas que tinham em casa:

  • impressão de imagens e estampas coloridas, colocadas sobre quadros na parede;
  • texturas com manta de paetês em relevo e EVA;
  • espelhinho com molduras colorida de EVA;
  • barra feita com varão de cortina branco, com fitas adesivas pretas criando listras;
  • almofadinhas com estampas preto e branco;
  • brinquedos com cores fortes e brilhos pendurados; entre outros.

Como as paredes eram brancas, ela apostou em pendurar elementos coloridos. E no chão também, para a Lulu perceber quando acaba a cama e começa o piso.

Estimulando a percepção – logo a criança estará mais ativa e independente, percebendo até a sujeira caída no chão, como comentam entusiasmados alguns pais. Isso não quer dizer que veja como você, mas revela que já percebe melhor o que está em seu campo visual.

A partir daí, é importante explorar o desenvolvimento dessa criança com baixa visão. Bastam os brinquedos indicados para a idade, sempre ricos em formas, cores, tamanhos, texturas. De empilhar, montar, encaixar, rolar, empurrar e manipular de diversas maneiras.

Uma ideia que eu já ouvi faz todo sentido compartilhar aqui: a mãe de uma criança com baixa visão colocou no convite da festinha de aniversário um alerta para a escolha dos presentes. Ela pedia que escolhessem brinquedos e artigos com muito contraste, indicando as cores que mais beneficiariam a criança. Muitas pessoas não sabem e não se ligam nisso!

  • Melhor será a evolução perceptual e a aprendizagem quanto melhor for a iluminação, o contraste, a definição de contornos e a diversidade de objetos para manusear (variedade, porém seletividade, mostrando um número reduzido de estímulos por vez).
  • Melhor será o seu desenvolvimento, quanto maiores forem as oportunidades de envolver outros sentidos, de interagir e estimular a linguagem e a integração motora na hora de brincar.
modificações em casa para a criança com baixa visão

Talvez o item mais difícil de compreender o que fazer seja qual a medida certa de luz. A iluminação pode ajudar a destacar a cor e aumentar o contraste, ou pode acontecer o oposto – fazer sombras e ofuscar. Wright indica ter persianas que ajustam facilmente a entrada da luz natural e uma luminária de mesa ajustável, com lâmpada LED que regula a intensidade emitida.

E um detalhe mais: note se as superfícies de mesas e de pisos têm brilho e reflexo excessivos, ou tons semelhantes em todo o espaço. Com toalhas e tapetes na hora da atividade você melhora bastante a condição visual. Por isso gosto da ideia de um tapete em cor única que destaque os brinquedos coloridos e utensílios, que são ótimos estímulos para serem manuseados.

Sempre tem um porémbaixos contrastes também devem ser estimulados, preparando a criança para o mundo real. Funcionalmente o contraste ajuda, mas pensando na estimulação em si, assim que perceber melhoria da acuidade visual da criança, da localização de objetos,  de seu interesse em explorar o ambiente, comece a brincar também com elementos que “fiquem mais camuflados ao fundo”, trazendo a atenção inicialmente com o movimento.       

ALIMENTAÇÃO

Crie contraste nas mamadeiras e nos copos plásticos da criança com baixa visão. Se a mamadeira cai de suas mãos, ela tem melhores condições de ver onde caiu e pegar para continuar mamando. Maiorzinha, saberá localizar o seu próprio copinho de suco ou água.

  • passe fitas adesivas coloridas em volta da mamadeira. Pode lavar, e pode ser refeito quando ficar mais desgastado.
  • use uma capa de pano, de tricô ou de crochê, mas cuidado para não ficar frouxo e escorregadio.
  • cole uma etiqueta adesiva em vinil, personalizada para a função. Eles são laváveis e duráveis.

Desde pequeninos favoreça o contraste do prato com o alimento, estimulando-os a pegar os pedacinhos de comida e colocá-los na boca. Pratos brancos, sem desenho no fundo, e jogo americano de uma cor forte é o básico. Embora louças e talheres coloridos também contrastem com o fundo dos armários e com a mesa. Só pense na escolha da cor para que a criança enxergue o que come.

modificações em casa para a criança com baixa visão
HIGIENE

Se a criança tem uma cor de preferência, tente usá-la para marcar os seus pertences e identificar suas toalhas. Contanto que gere contraste com a cor da parede e do balcão.

Potes em formatos e tamanhos diferentes facilitam diferenciar os produtos e evitam trocar o shampoo com o condicionador… eu que enxergo já fiz muito isso!

Essas são pistas simples para a criança com baixa visão pegar sua escova de dentes, o seu próprio shampoo e sabonete e outros artigos de toucador.

VESTUÁRIO

A hora de vestir e de tirar a roupa é um momento natural para estimular a percepção corporal e a consciência espacial. Além disso, sentir os tecidos, suas formas e perceber as diferenças, as cores, discutir qual é mais indicado nos dias mais quentes ou mais frios. Qual lado fica para frente ou qual pé é o direito ou esquerdo. Essa experiência sensorial é essencial para a criança com baixa visão.

A tarefa de vestir ou calçar promove a destreza dos dedos, a coordenação da força e do movimento corporal. Desde passar a cabeça e os braços, puxar as calças, subir um zíper, apertar ou casear um botão…

Avalie a necessidade de etiquetar as peças de roupa para facilitar a identificação para a criança ganhar mais autonomia decidindo o que usar. O modo mais fácil é usar etiquetas termocolantes para roupas no lado avesso (tem várias opções na Internet e você pode fazer na cor, tamanho e na fonte de texto que for melhor).

LOCALIZAÇÃO E LOCOMOÇÃO

Circulando em segurança o contraste é importante também para transitar. Paredes, portas e janelas com batentes na mesma cor não facilitam. É importante cuidar especialmente quando há escadas, mudança de nível, passagens, e em lugares que precisam ser acessados para pegar objetos.

As cores podem ajudar, direcionando o olhar, favorecendo a localização dos objetos e a locomoção. Da mesma forma que empurrar cadeiras para baixo da mesa, manter as áreas de passagens livres e as portas totalmente fechadas ou totalmente abertas, sem o risco de a criança trombar com uma porta entreaberta.

Ah… e não precisa sair pintando a casa (embora a foto abaixo seja uma inspiração e um ótimo exemplo de como destacar as passagens e as mobílias). Uma ideia simples é colocar quadrinhos de porta que ajudam a criar um código visual para cada uma. Fica mais fácil identificar onde é o banheiro, o quarto…

modificações em casa para a criança com baixa visão

Organizando geral muitas vezes ouço que a casa toda é um espaço de brincar. Só lembre que a criança com baixa visão pode precisar aprender a ser mais organizada e saber onde estão suas coisas. Ela não tem a mesma facilidade de uma pessoa que enxerga bem para encontrar objetos misturados.

Portanto, guardar sempre no mesmo lugar e não mudar a disposição dos móveis é uma maneira de melhorar a organização e de aumentar a segurança.

Isso tudo não seria um exagero? Afinal, a criança parece em certo tempo dominar suas dificuldades e realizar bem o que precisa. Cabe a você refletir sobre as palavras do especialista em baixa visão: “É fácil para ela?
Quanto ela precisa gastar de energia apenas para descobrir como mover-se e executar o que precisa?”, questiona Wright.

Dizer quanto é muito pessoal. A Adriane, mãe da Júlia, que também tem baixa visão em razão de catarata e glaucoma, comentou comigo que ela não tem grandes dificuldades para localizar seus brinquedos, livros e roupas, por exemplo. Em casa é mais fácil aprender o lugar de cada coisa, sem a necessidade de usar caixas e gavetas etiquetadas.

Se seu filho já está em fase de pré-alfabetização e letramento, veja a publicação Aluno com baixa visão: lista completa de adaptações para inclusão em sala de aula para entender como favorecer a sua visão nas tarefas escolares, na instituição de ensino e em casa.

*** Esta publicação é voltada especialmente para o atendimento de crianças com algum déficit visual ou baixa visão, sem outros comprometimentos neurológicos associados. ***

Proporcione autonomia e independência à criança com baixa visão

Parece ser a mesma coisa, mas não é! Especialmente no contexto da terapia e reabilitação. Afinal, qual a diferença?

Simplificando: independência está relacionado a fazer algo sozinho, sem ajuda; já autonomia refere-se à capacidade de escolha, de decidir por conta própria, com discernimento.

 

Diferença de autonomia e independência - exemplo em baixa visão

Como com qualquer criança, a aprendizagem é um processo. Faça tudo gradativamente. Comece ajudando, colocando suas mãos sobre as da criança para ela aprender como realizar as tarefas de vida diária. Permita a ela tentar. Reduza aos poucos a assistência até que ela nem requeira mais sua ajuda.

Bem, o que escrevemos aí em cima já traz uma ideia do que você pode fazer. Comece pensando quais adaptações em casa beneficiariam seu filho com baixa visão para se locomover bem, para localizar objetos, para executar tarefas essenciais vestir-se, fazer a higiene, comer e brincar. A ideia é que a criança que já é capaz de decidir o que quer, possa executar naturalmente aquilo que deseja.

Tenha em mente:

  • Iluminação, cor e contraste
  • Textura e toque
  • Etiquetas e marcação
  • Organização e segurança

Enfim, ao entender como tudo isso funciona em casa, você e seu filho estarão mais preparados para reconhecer suas necessidades. E, assim, expressá-las para tornar a escola, os playgrounds e o lugar de trabalho (no futuro) mais acessíveis.

PS. Conte nos comentários a sua experiência e o que você fez diferente que possamos incluir aqui no texto!

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