Veja 7 habilidades visuais determinantes para o desenvolvimento cognitivo e...
Read MoreFigura-fundo: alguns princípios para ajudar você na hora de estimular
25/02/2021 Off Por Maria Amélia M. FrancoPara você, o que é a habilidade visuoperceptiva de figura-fundo? No que ela implica?
Bem, cada coisa tem sua forma, seu contorno, com suas características marcantes. Aquilo que nos permite identificar um coelho de pé, deitado, de costas ou apenas sua sombra. Nos permite diferenciar uma letra ou número de outro.
Portanto, somos capazes de delinear cada fronteira entre um objeto e seu fundo porque percebemos seus contornos. Então, quando o identificamos, usamos da cognição, aprendemos a dar sentido e nome àquilo que vemos. O que nos ajuda a diferenciar uma cadeira de um banco, por exemplo.
Ao falarmos em processamento visual e da habilidade de figura-fundo, o que está em jogo é a habilidade visual de perceber os contornos e dar saliência ao que se vê ou deseja ver.
O oposto seria o efeito de camuflagem, que é uma forma de enganar o cérebro para não perceber essas características as escondendo em um fundo com nuances similares.
O que é o princípio de figura-fundo?
- O sistema visual tende a simplificar o cenário que enxergamos evidenciando um objeto principal e transformando todo o resto em fundo. É o que acontece na ilusão criada com o vaso de Rubin. Você percebe o vaso (preto) OU o perfil das faces (branco), pois é impossível ver em detalhes tudo ao mesmo tempo.
- Quanto mais delineada estiver a forma, mais clara será a separação entre figura e fundo. Quando isso não ocorre, torna-se difícil distinguir o que é figura e o que é fundo (como na visão embaçada, borrada).
- O aumento do contraste dos contornos, delimitando as fronteiras da forma dos objetos, leva à percepção de figura e fundo. Esse efeito pode ser com contorno absoluto, através de nuances de luz e sombra ou da composição com cores. O vaso de Rubin também demonstra isso.
- Objetos em primeiro plano tendem a ser nítidos e distintos, enquanto aqueles no fundo são borrados. Se a pessoa não enxerga com nitidez, torna-se complexo segregar a figura do fundo em diferentes distâncias.
- Um elemento segregado dos demais em uma cena é mais provável de ser visto como uma figura, tornando elementos restantes parte do fundo.
- Elementos maiores se destacam e os menores parecem estar mais longe, por isso normalmente são percebidos como parte do fundo.
Nesse sentido, primeiro há a visão do todo e na sequência a segregação em partes. O cérebro orquestra essa “separação” entre figura-fundo, e os agrupamentos a que cada elemento pertence, dentro da hierarquia visual. Você percebe essa relação com o processo de leitura?
O que deseja ver?
Destaquei lá em cima a expressão “deseja ver”, você notou? Pois é, tem essa nuance da intenção e de experiências prévias também… Se sabemos o que procuramos, já aprendemos onde é esperado encontrar e voltamos a nossa atenção a esse objetivo, fica até mais fácil localizar algo no seu complexo fundo!
Seja com objetos concretos, ao selecionar um livro na estante ou ao procurar um brinquedo na caixa. Seja durante a leitura de uma revista, ao localizar informações no quadro, em um painel de informações, ou ao encontrar “coisas escondidas” em figuras complexas como esta do ovo de páscoa.
Nem sempre é assim tão simples e natural… Há alterações de processamento visual que tornam tudo isso muito confuso. Na deficiência visual cortical é bem comum falar de complexidade visual, o que seria outra maneira de abordar o conceito de figura-fundo.
Hei! Mas você não precisa e nem deve treinar exclusivamente aqueles modelos de desenhos com figura-fundo “tradicionais” que estão nas revistas de passatempos e nos materiais escolares.
Você consegue rapidamente identificar os bichos e pelo menos seis variedades de flores nesta figura? Conta aí nos comentários o que viu! Como foi essa experiência?
Figura-fundo é um desafio para seu paciente ou aluno?
Se isso não é tão natural assim eu indico estimular “o contorno com o olhar” sobre os objetos e sobre as bordas de figuras em livros, do desenho arquitetônico que forma a paisagem, ou de elementos da decoração.
Ajuda no processo de discriminação visual, para ver as diferenças e semelhanças nas formas, cores, tamanhos, posições e orientações.
Percorrer o traçado com os olhos exige atenção e precisão dos movimentos oculares (especialmente os sacádicos). E disso depende a discriminação visual e a percepção acurada da figura-fundo. Uma coisa está ligada a outra. Então, você estimula isso?
No começo, o que pode ajudar é guiar o olhar traçando a trajetória com uma lanterna, com lápis, palito ou os dedos sobre as linhas. Ou mesmo destacar contornos. Ou até criar contornos sensoriais com relevos e associar visão e sensação tátil.
Pode-se iniciar com baixa complexidade visual, buscando fundos neutros, com menor quantidade de coisas e detalhes. Além disso, treinar o olhar para os contornos, em alto e baixo contraste, em tons de cinza e colorido alternadamente. Por isso gosto tanto dos jogos de pareamentos, em que você consegue trabalhar figuras com menos ou mais detalhes e definir a quantidade de elementos que quer trabalhar caso a caso. Antes de pensar em atividades mais complexas.
Mesmo quando já se discrimina bem as formas, é importante utilizar essa técnica do “contorno com o olhar” escaneando as figuras da cena, treinando a atenção do olhar apesar da poluição visual muitas vezes gerada pela complexidade do fundo. Depois disso, incentivo livros, jogos, pareamentos cheios de detalhes. Partir de cara para atividades do tipo “procure e ache“, “encontre a letra TAL”, “quebra-cabeças” e afins.
Percepção e movimento
Lembrei de uma apresentação de Pawan Sinha que vi no TED TALKS e que faz todo sentido aqui também: se não há interesse ou atenção, a criança parece não ver, experimente movimentar as figuras para que elas sejam notadas. Depois, incentive a percepção dos seus detalhes.
Esses são dois processos diferentes no cérebro, mas que atuam junto – o movimento usa neurônios de alta resolução temporal (via magno) que rastreiam o campo visual, enquanto outros neurônios têm alta resolução espacial que permite perceber detalhes de cor e forma de um objeto estacionário (via parvo). Mas é o movimento que gera o “alerta para os neurônios” de que algo está ali para ser visto.
PS. Quero ainda compartilhar umas lembranças…
Veio à memória este painel que ilustra o começo desta publicação. Ele ficava na parede da casa de uma paciente adolescente – um clássico figura-fundo. Treinamos algumas vezes o “contorno com o olhar” usando esse recurso, entre outros menos complexos. Cada maneira de fazer “o contorno com o olhar” tem um objetivo e acessa as vias visuais de formas diferentes.
Lembrei também do artista gráfico M.C. Escher que usou muito do conceito de figura-fundo em sua arte. Um gênio em criar imagens que ora evidenciam um elemento, ora outro. Ele abusa de sombras e cores, que além do contraste, ajudam a criar essa delimitação da forma. VEJA em https://mcescher.com/gallery/symmetry/
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Acredito que a informação transforma vidas, e assim nasceu este blog: um projeto pessoal, que tornou-me uma pesquisadora incansável sobre visão e aprendizagem. Hoje sou neurorreabilitadora visual e visuopostural. Tenho ambliopia e isto me motiva ainda mais! Estudando o universo da neurovisão, quero ajudar pais, terapeutas e professores com medidas importantes nos cuidados com a saúde ocular, o desenvolvimento visual e a baixa visão na infância. Saiba mais sobre a autora.