Como e quando sentar em W impacta no desenvolvimento infantil

Entenda quando a posição em W se torna um problema e a relação com o desenvolvimento atípico. Veja ainda posições alternativas para estimular!

Sentar em W (ou W-sitting) não é necessariamente um problema.  Mas é importante você entender por que estou dizendo isso!

Nos primeiros anos de vida, é cômodo sentar-se em W. Isso acontece porque o fêmur e a tíbia apresentam rotação interna e tendência à anteversão femoral: elas apresentam os joelhos e dedos dos pés apontados para dentro. Assim, facilita a posição em W.

Sob o ponto de vista ortopédico e da constituição musculoesquelética, atualmente descarta-se a hipótese de que a posição em W causaria a anteversão femoral ou impediria a sua correção. Ou seja, a predominância dessa forma de sentar-se é um indicativo da anteversão femoral aumentada e não sua causa. Essa torção está presente desde o nascimento e ela tende a corrigir lentamente até a adolescência em crianças típicas, segundo explica o Dr. Luiz de Angeli, ortopedista pediátrico.

Nesse sentido, cabe refletir quanto à necessidade de corrigir a criança repetidas vezes. Afinal, por que interromper a brincadeira, se ela aceita variações de posições e consegue transitar entre elas?

Bem como cabe ficar atento se é o caso de uma avaliação ortopédica ou neuropediátrica. E de uma intervenção terapêutica com fisioterapeuta ou terapeuta ocupacional.

O sentar em W no desenvolvimento atípico

Crianças com patologias, condições genéticas ou transtornos do desenvolvimento caracterizadas por hipertonia (paralisia cerebral, espinha bífida), hipotonia (síndrome de Down, TEA) ou frouxidão do tecido conjuntivo (síndrome de Down, síndrome de Ehlers Danlos) permanecem mais tempo na posição em W. Mantêm posturas desleixadas, sem sustentação muscular adequada e com dificuldade de estabilizar-se ao variar posições.

A preferência por sentar-se em W é comum em crianças com músculos espásticos, pois não desenvolvem tração muscular normal que propicia a correção do desalinhamento rotacional nas articulações do fêmur com o quadril ao longo do crescimento. Lá no começo do texto falei da correção natural da anteversão femoral, é isso.  

Crianças típicas também preferem a posição em W

Duas meninas brincam de frente para a outra. Uma está com as pernas cruzadas e outra sentada com as pernas em W
Image by Freepik

Tanto crianças típicas como atípicas, ao sentar-se em W, sentem-se mais confortáveis e seguras – pela constituição anatômica (anteversão femoral). Essa posição aumenta a base de apoio e estabiliza o tronco.

É sabido que músculos fracos ou desequilíbrio muscular reduzem a capacidade de estabilização e de correção postural, e isso acaba propiciando a posição em W. Porém, não há evidências robustas de que a posição em W tenha relação causal com a redução da força dos músculos do complexo lombar-pelve-abdominal-períneo-quadril (músculos do core).

Às vezes, a força insuficiente do tronco é resultado de um reflexo primitivo retido chamado de reflexo tônico cervical simétrico. Ele auxilia no engatinhar e integra-se aos onze meses. Por falar nisso, engatinhar é um marco neuropsicomotor essencial e tem tudo a ver com o amadurecimento de funções visuais e oculomotoras!

Só sentar em W é um problema

Alternar posturas enquanto explora o brincar é saudável. Inclusive a posição em W acaba sendo uma delas.

Contudo, sentar-se APENAS em W pode impactar o desenvolvimento de diferentes maneiras e limita muito o brincar (veja na foto abaixo). Sob a perspectiva da experiência ativa para o desenvolvimento motor e da integração sensório-motora, é preciso observar que:

  reduz a amplitude de movimento, pois limita a rotação do tronco, essencial para alternar posições, ampliar o seu campo de visão para explorar o ambiente e seu alcance para coletar objetos e brincar, usando ambas as mãos;

♦  menos oportunidades de feedback vestibular e proprioceptivo das mudanças de peso de um lado para o outro. A partir disso que o organismo desenvolve as reações de equilíbrio, e de retificação e controle postural, sustentados pelos músculos do core; 

♦  quanto maior o tempo nessa posição, maior a privação de estímulos que favorecem a consciência corporal, espacial e direcional, por meio do cruzamento da linha média do corpo, da integração dos lados esquerdo e direito, e da manipulação bilateral, levando ao encurtamento muscular, à diminuição da coordenação e a um progresso do desenvolvimento ruim.

Criança sentada com as pernas em W e as mão apoiadas para a frente.
Image by Shutterstock

Uma minoria dos casos requer intervenção

Caso a criança habitualmente senta-se em W por longos períodos, deve-se observar se as condições para o desenvolvimento do comportamento motor são favoráveis, sob a perspectiva individual, ambiental e da tarefa. E se requer intervenção.

A integração do movimento com os estímulos sensoriais, essencial para a exploração e aprendizagem, depende de condições favoráveis, que devem ser investigadas e observadas por todo profissional:

 questões individuais, relacionadas à herança genética, aos fatores biológicos e nutricionais que afetam o neurodesenvolvimento, e à história e experiência de vida com estímulos adequados no tempo certo;

 condições ambientais, que precisam promover um brincar estimulante, encorajador e afetuoso; e

 fatores fisiológicos, considerando a funcionalidade para a execução das tarefas, compatíveis com as condições físicas e mecânicas, e com a maturação neurológica.

Portanto, é preciso considerar a individualidade do aprendiz, seu contexto biopsicossocial, suas necessidades (inclusive necessidades de adaptação de recursos) e interesses. 

Ademais, considerar que o desenvolvimento humano acontece em estágios evolutivos, de maturação progressiva, que permeiam a aquisição de uma sequência de habilidades, que se consolidam e se refinam em ritmos variados. Deve-se evitar avançar etapas quando não há prontidão para isso, o que resulta em “gaps” evolutivos, que adiante se apresentam em forma de dificuldades de aprendizagem.

Sinais importantes que acendem o alerta para avaliação especializada

W-sitting é a única forma de sentar-se.

A criança tem dificuldade de fazer a transição para outra posição.

Dor ou fadiga para sustentar outra postura.

Tropeços e quedas frequentes.

Atraso no desenvolvimento motor grosso.

Pés voltados para dentro, de um ou ambos os lados.

Por trás desses sinais estão aspectos já comentados acima, sobre a hipertonia, hipotonia, alterações musculoesqueléticas, frouxidão ligamentar etc.

Alternativas à posição em W

A persistência na posição pode muitas vezes ser combatida com mudanças na base de apoio, e mais afeto e acolhimento durante o brincar. Mostrar como fazer, para que imite o modelo; incentivar aumentando gradualmente sua segurança durante as novas tentativas de exploração, superando seu medo em posições menos estáveis. Sobretudo, ofertando oportunidades de explorar seus movimentos e seus sentidos em atividades dinâmicas e livres, entretendo-a com o que gosta.

Se todos os brinquedos estiverem fácil ao seu alcance imediato, por que explorar?

Conforme orienta a fisioterapeuta pediátrica Dr. Lauren Baker, há diversas posições alternativas que podem ser estimuladas. Uma dica é sentar a criança sobre uma almofada ou rolinho de toalha, o que tende a facilitar essa transição postural:

♦  de pernas cruzadas (de índio);

♦  com as pernas flexionadas lateralmente, alternando ora para o lado direito, ora para o lado esquerdo;

♦  ajoelhado com as pernas unidas e os glúteos sobre os calcanhares;

♦  meio ajoelhado, com um pé encolhido e o outro apoiado no chão;

♦  com as pernas abertas estendidas para frente, cuidando para que a base esteja em contato com os ossos ísquios e não o sacro.

Promover intervalos de brincadeiras se “deslocando de bumbum no chão” e agachados com os pés totalmente apoiados no chão também é interessante para estimular essa transição de posturas. Assim como sentar a criança em um banquinho ou cadeira baixos, em que os pés fiquem bem apoiados e os joelhos acima da altura do quadril, favorecendo ainda a rotação e alcance ao redor.

Mais algumas dicas:

Experimente as sugestões procurando formas próprias de chegar ao objetivo postural. Nem sempre será de primeira. Coloquei várias fotos na galeria acima para você perceber a amplitude de movimento em distintas posições. Além de perceber que a brincadeira motiva a postura.

Pense na roupa da criança! Cruzar as pernas com jeans apertado na cava e nas pernas será um martírio.

Nem toda criança aceita a ideia da almofadinha ou de um disco proprioceptivo embaixo… ou qualquer ideia de desestabilização. É um processo, mexe com muitas sensações internas, nem sempre bem compreendidas por ela. Para ajudar a estimular a criança, gosto de balançar com leveza sobre uma bola ou sobre a minha barriga, brincar de serra-serra ou aviãozinho sobre meus joelhos, de puxá-la sobre um pano em minha direção… procurando sempre observar o alinhamento ocular durante a fixação visual em mim. O contato visual traz mais segurança a ela também.    

PS. O certo é dizer “sentar-se em W”, com o pronome reflexivo. Fui tentada a corrigir em todo o texto, mas prejudicaria a busca do tema no Google onde se lê majoritariamente “sentar em W”. Pira minha? 

Sobre a autora
Maria Amélia M. Franco
Acredito que a informação transforma vidas, e assim nasceu este blog: um projeto pessoal, que me tornou uma pesquisadora incansável sobre visão e aprendizagem. Hoje sou neurorreabilitadora visual e visuopostural. Estudando o universo da neurovisão, quero ajudar pais, terapeutas e professores com medidas importantes nos cuidados com a saúde ocular, o desenvolvimento visual e a baixa visão na infância.

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