Quais as 7 habilidades visuais que favorecem o desenvolvimento e a aprendizagem?
18/11/2018 Off Por Maria Amélia M. FrancoA expressão “um simples olhar” já não tem mais sentido para mim. Pensando sobre as principais habilidades visuais envolvidas no desenvolvimento cognitivo e motor, percebi que não há nada simples em um olhar. Ele é apenas um dos inputs para algo incrível e complexo que é o processamento visual.
Recentemente, em um curso que tratava justamente sobre a promoção da saúde ocular na intervenção precoce de crianças com atrasos no desenvolvimento global ficou ainda mais evidente que as questões de saúde são interdisciplinares. Acho que isso já é óbvio, mas muitas vezes esquecido, ignorado ou percebido como algo inatingível. Talvez ainda seja…
É preciso um olhar sistêmico!
Eu fico maravilhada com a pluralidade dos autores que leio, de pessoas que encontro ou sigo nas redes sociais e que de alguma forma têm em comum a atenção à visão. São oftalmologistas (evidente), neurologistas, fisioterapeutas oculares, optometristas, terapeutas ocupacionais, pedagogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, psciomotricistas… (devo estar esquecendo outros profissionais). Pluralidade de pessoas, na singularidade de seus casos. Em algum ponto suas práticas convergem: neurodesenvolvimento.
Habilidades visuais, muito além dos olhos
O desenvolvimento das habilidades visuais pressupõe a integração olho-cérebro: o olho é como o hardware e o cérebro é como um software que ajuda a processar toda informação recebida. Para muitos de nós é tão natural que sequer notamos como é complexo interpretar, analisar e dar sentido a tudo aquilo que os olhos captam. Mais: a tudo aquilo que nossos sentidos captam.
Enxergar bem, logicamente requer a integridade das estruturas oculares e das vias visuais que levam as informações captadas pelos olhos para várias regiões do cérebro. Contudo, a visão depende também de movimentos precisos e sincronizados dos olhos, e de várias funções visuoperceptivas, que darão sentido ao que está sendo observado. Não só. O sistema visual está integrado a outras habilidades sensoriais, motoras, de equilíbrio e de propriocepção.
Qual a conclusão? Toda intervenção que seja necessária, requer um olhar sistêmico.
Mas, ao menos, abordarei as principais habilidades visuais e que estão intimamente relacionadas com o desenvolvimento e a aprendizagem da criança.
Vamos lá!
Acuidade visual
A qualidade de resolução com que algo é visto, ou seja, a acuidade visual, depende de fatores ópticos e neurais. Ou seja, depende de como a luz atravessa os meios oculares transparentes (córnea, cristalino, humor vítreo) e atinge a retina, que é a camada lá no fundo do olho com células especializadas em transformar os raios luminosos em impulsos nervosos que seguem para o cérebro. Isso quer dizer que a acuidade visual depende da integridade das estruturas oculares e das vias visuais, bem como das estruturas cerebrais e da capacidade de ajustar a recepção da luz na fóvea – uma região especial da retina, que proporciona melhor nitidez [ver imagem].
Você certamente já ouviu falar da miopia, da hipermetropia e do astigmatismo, que são erros de como a luz é refratada dentro do olho e que prejudicam a acuidade visual. Estão relacionados a alterações no tamanho do globo ocular, da córnea e à redução da flexibilidade do cristalino. Geralmente, quando há correção com óculos ou lentes, recupera-se a qualidade da visão. Contudo é motivo de alerta, pois são problemas nem sempre diagnosticados precocemente e que podem levar a quadros mais graves como a ambliopia.
Ainda, há a opacidade do cristalino, conhecida por catarata; as variações de pressão do olho que ocasionam o glaucoma; as alterações e cicatrizes na retina como as causadas pela retinopatia da prematuridade e pela toxoplasmose, entre tantas doenças oculares que afetam a acuidade visual.
E como a visão acontece no cérebro, a partir dos prolongamentos das células da retina, o que afeta o olho, afeta também o processamento da acuidade visual no córtex cerebral.
Campo visual
A amplitude do campo visual abrange 180° na linha horizontal do olhar, quando se é capaz de enxergar a totalidade do espaço visual que pode ser percebido por ambos os olhos. O olhar vertical abrange 130°, somando-se 60° do campo visual superior e nasal e 70°, do inferior. Apenas o que está no campo visual, compreendendo a visão central e periférica, pode ser percebido.
Tal qual a acuidade, o campo visual é afetado por doenças que comprometem as estruturas oculares e cerebrais. Em geral, é caracterizado por escotomas, como manchas que encobrem parte da área visual. Isso muitas vezes prejudica a visão total de uma imagem ou objeto, ou até mesmo que algo seja localizado.
Fixação visual
A fixação dos olhos em um alvo é um processo dinâmico que envolve muitas das estruturas cerebrais usadas no controle dos movimentos oculares. Usadas para dirigir e sustentar o olhar em um ponto fixo. Requer, sobretudo, consciência visual de que existe algo que chama a atenção do olhar, percebido no seu campo visual.
Para manutenção da fixação, os movimentos oculares ajustarão o alvo, compensando os movimentos de cabeça, para que este seja percebido na fóvea (lembra que comentei acima que é a região dos olhos que proporcionará a melhor nitidez para o reconhecimento do que está sendo visto?).
Ou seja, a criança percebe um brinquedo e fixa o olhar, mantendo o foco, para observá-lo e decifrar sua posição no espaço e suas características. Já notou que quando não conseguimos fixar o olhar em algo que passa muito rápido, não sabemos detalhar como é (cor, forma, tamanho, textura) e até mesmo identificar o que é?
Movimento sinérgico e coordenado dos olhos
Ao direcionar o olhar para um elemento qualquer no cenário são necessários movimentos precisos e conjugados de cada olho, que compensem o movimento do seu próprio corpo e do alvo observado.
Depende disso a obtenção de foco e de boa resolução do que é visto durante o seguimento de um estímulo em distintas trajetórias. É uma dinâmica que envolve o processamento da imagem e comandos dos neurônios motores que inervam os músculos extraoculares.
Há movimentos amplos do olhar nos sentidos horizontais e verticais, em direção a um estímulo à direita, à esquerda, acima ou abaixo. E até mesmo pequenos saltos do olhar, gerados por movimentos rápidos dos olhos de um ponto de fixação a outro para exploração do ambiente visual, chamados de movimentos sacádicos.
Quando descompensados, levam a desvios como estrabismos (alguns nem evidentes) e nistagmos.
Outros movimentos oculares importantes são usados para virar os olhos em direções opostas, também em perfeita sincronia. É o caso da convergência, quando ambos os olhos se movem em direção ao nariz para focar um ponto próximo. Ou da divergência, quando se muda o olhar de perto para um alvo mais distante, movendo os olhos em direção às têmporas.
Já pensou que quanto maior a necessidade de fixação prolongada, de rastreio rápido e ajuste do olhar para perto e longe, maior é a demanda por um ajuste fino da motricidade ocular? É exatamente o que acontece durante a leitura e a anotação no caderno do que está no quadro – rotina das crianças a partir do letramento e alfabetização. Infelizmente, ainda está entre as habilidades visuais pouco avaliadas quando são verificados transtornos de aprendizagem.
Visuopercepção
Os processos visuoperceptivos acontecem em diferentes áreas do cérebro, dando sentido àquilo que os olhos enxergam e evocando comportamentos e ações.
É comum dizer que a percepção visual tem a ver com os “o quê”, “quem”, “onde” e “como”. Ou seja, o reconhecimento de objetos e pessoas, a discriminação de cor, forma, tamanho, profundidade, padrões, a percepção de movimento, localização e orientação no espaço. Imagine como é tão precioso e complexo, que regiões cerebrais distintas participam no reconhecimento de objetos ou de faces e modelos biológicos (sem objeto).
Enfim, o desenvolvimento da percepção visual promove a capacidade de:
- Discriminação visual – perceber as diferenças e semelhanças
- Relação espacial – ter noções de posição e de direção no espaço
- Memória visual – recordar o que foi visualizado
- Memória sequencial – recordar a ordem/sequência daquilo que foi apresentado e visualizado
- Constância de forma – reconhecer o que é visto independentemente da forma, do tamanho e se está reto, virado ou invertido
- Figura-fundo – localizar e dar saliência visual a algo relevante em um cenário confuso, complexo
- Fechamento visual – reconhecer algo no todo, mesmo que esteja incompleto, que lhe falte uma ou mais partes
Portanto, boas habilidades visuoperceptivas são importantes em quase tudo que a criança faz: brincar, vestir-se, deslocar-se, ler e escrever, organizar cada coisa em seu lugar…
Atenção visual
A atenção envolve processos visuoperceptivos e cognitivos a partir de inputs sensoriais, mormente visuais e auditivos. Está relacionada à capacidade de perceber o ambiente e estabelecer em que focar, filtrando as distrações. Por isso a atenção é demandada na localização e identificação de objetos, imagens, símbolos em cenas visualmente organizadas ou confusas.
De forma resumida, destacam-se a
- atenção seletiva e alternada – foco em um só estímulo por vez, enquanto ignora estímulos irrelevantes e outras distrações
- atenção sustentada – manutenção da capacidade de focar a atenção por longos períodos de tempo, sem distrações
- atenção compartilhada – divide a atenção focando em mais de um estímulo ou processo relevantes ao mesmo tempo
Porém, é preciso avaliar com muito cuidado antes de chegar à conclusão de que a criança tem algum déficit de atenção. Afinal, muitos sintomas estão relacionados à transtornos visuais, que impactam no quadro atencional e precisam ser checados também. Por isso, todas as habilidades visuais que estamos listando, em conjunto, têm um papel importante na aprendizagem.
Coordenação visomotora
A coordenação visomotora é uma habilidade integradora, porque abrange a propriocepção, o sistema vestibular, o processamento sensório-motor. A capacidade proprioceptiva está relacionada à percepção da localização espacial do próprio corpo e do emprego da força muscular em distintos movimentos. Já a detecção dos movimentos e os comandos para mover os olhos e o corpo, e a manutenção do equilíbrio envolvem os órgãos do ouvido interno, que compõem o sistema vestibular.
Digamos que a informação visual e os sinais proprioceptivos são analisados em conjunto para controlar a extensão dos braços e a manipulação de objetos, bem como o controle do movimento ocular. Imagine tudo isso funcionando e impactando a performance ao jogar vôlei. Assim, como acontece com os membros inferiores ao chutar e seguir uma bola no futebol.
Fique de olho! Se alguma dessas sete habilidades visuais não é eficiente, pode indicar alteração visual, neurológica ou no desenvolvimento.
Fonte
Daniel Fuentes … [et al.], Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2014.
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Sobre o Autor
Acredito que a informação transforma vidas, e assim nasceu este blog: um projeto pessoal, que tornou-me uma pesquisadora incansável sobre visão e aprendizagem. Hoje sou neurorreabilitadora visual e visuopostural. Tenho ambliopia e isto me motiva ainda mais! Estudando o universo da neurovisão, quero ajudar pais, terapeutas e professores com medidas importantes nos cuidados com a saúde ocular, o desenvolvimento visual e a baixa visão na infância. Saiba mais sobre a autora.
1 Comentário
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Bom dia!
Passando para agradecer essa rica publicação. Sou professora especialista em deficiência visual, em constante pesquisa e estudo. Nesse primeiro trimestre de 2023, na reta final de um mestrado. Atuo com educandos com espectros de baixa visão e cegueira.
Maria Amélia você comunicou muito bem os aspectos e isso pode ajudar ma minha dissertação. Se puder entrar em contato pra que eu possa tirar algumas dúvidas agraadeço!
Paz e bem!